18 julho 2006

Tudo pelo sexual


no mínimo volta à primeira página Especial


Ricardo Calil

Com apenas uma semana de exibição, "Páginas da vida" produziu um cardápio sexual inédito para uma novela brasileira. No primeiro capítulo, Manoel Carlos ofereceu um aperitivo do que estava por vir, com uma generosa dose de sexo verbal. Várias personagens mostraram-se frustradas com o desempenho de seus parceiros, a começar pela protagonista Helena (Regina Duarte). “Eu sinto o mesmo tesão de sempre. Mas o sexo agora é meio formal. Ele bate ponto, vira pro lado e dorme. Antes, a gente transava pra valer. Agora viramos funcionários públicos do sexo”, reclamou Helena.

Dois dias depois, o cardápio foi incrementado com cenas de strip-tease, voyeurismo e uma insinuação de sexo a três. Em sua noite de núpcias, Olivia (Ana Paula Arósio) e Silvio (Edson Celulari) chamaram Isabel (Vivianne Pasmanter) para fotografá-los com roupas de baixo e excitarem-se com a fantasia de um ménage à trois. Quando a fotógrafa foi embora, Olivia fez um strip-tease para Silvio, deixando Arósio totalmente nua em cena, com os seios e parte da bunda à mostra – em uma seqüência que ficou, em conteúdo e estética, muito próxima aos programas soft core exibidos de madrugada pelo Multishow. Na cena seguinte, dois adolescentes observaram Sandra (Danielle Winits) trocar de roupa por uma fresta na porta. Ela ficou apenas com uma calcinha, de costas, mas foi possível ver seus seios, de relance.

No sábado, a verve sexual da novela chegou ao paroxismo com o depoimento real de uma mulher anônima de 68 anos sobre sua descoberta do orgasmo pela masturbação. "Com 45 anos, ganhei um LP do Roberto Carlos, botei na vitrola a música 'Côncavo e Convexo' e fui dormir. E, quando acordei, estava com a perna suspensa, a calcinha na mão e toda babada. Comentei com as amigas, elas disseram: 'Você gozou!'. Aí que vim saber o que era gozo. Moral da história: sou uma mulher de 68 anos, que homem pra mim não faz falta, eu mesma dou meu jeito."

Se o sexo na novela tivesse se resumido a um episódio isolado, Manoel Carlos poderia argumentar que era uma exigência dramática de uma determinada cena. Mas, com o acúmulo de ocorrências, fica claro o caráter apelativo e programático da iniciativa. A lógica por trás de "Páginas da vida" ficou muito parecida com a do comércio do sexo: oferece um programa sexual em troca de um pagamento. No caso da novela, as moedas são a polêmica e a audiência.

Mas há um componente perverso em "Páginas da vida": no mesmo programa, misturam-se o sexual e o social, o erótico e o educativo, sem que os limites entre um e outro fiquem claros. Em sua primeira semana, a novela não apenas bateu recordes de cenas de sexo, como também de merchandising social. Para cada apelação, houve uma boa causa – seja a defesa do parto natural ou o ataque ao preconceito contra portadores de síndrome de Down.

Até agora, "Páginas da vida" alternou-se, de maneira bipolar, entre a sacanagem e a correção política, como se a Globo acreditasse que a segunda anula a primeira. O mais provável é que elas se confundam na cabeça do espectador. Afinal, o depoimento sobre masturbação de uma senhora de 68 anos é um avanço no tratamento do sexo por uma novela ou uma busca desesperada pela audiência?

Uma coisa é certa: a cena foi inapropriada e constrangedora, passou dos limites do bom senso e do bom gosto. Não porque mostrou a sexualidade de uma mulher de terceira idade. Mas porque sua descrição da masturbação foi chula, grosseira. O depoimento pode ter o efeito inverso ao desejado: em vez de provocar polêmica e aumentar a audiência, dar munição aos conservadores e despertar a rejeição dos espectadores à novela. A Globo está superestimando a vontade do público de ver sexo na TV. Quem quer ouvir – ao lado da mulher, da sogra e dos filhos - que alguém ficou "toda babada" ouvindo "Côncavo e Convexo"?