20 julho 2006

Pra quem acredita que os "chefes do tráfico" são todos ignorantes, leiam isso..

Jornal: O GLOBO
>Editoria: Segundo Caderno
>Edição: 1, Página: 8
>Coluna: Arnaldo Jabor
>
> Entrevistado: Marcos Willians Herbas Camacho – Marcola
>

Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema.

- "Você é do PCC?"
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível...
Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o
problema da miséria.. O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de
renda, poucas favelas, ralas periferias...
A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez
alocou uma verba para nós?
Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a
"beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas...
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de
medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social...
Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

- "Mas... A solução seria..."
- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um
erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por
cima da periferia de São Paulo?
Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com
um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico,
revolução na educação, urbanização geral; tudo teria de ser sob a batuta quase
que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática
secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287
sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que
impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país,
teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais
e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...). E tudo isso
custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na
estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

"- Você não têm medo de morrer?"
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem
entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós somos
homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do
Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte,
a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos,
diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque
do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala...

Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja
herói?" Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha...
Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?
Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados
todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país.

Não há mais proletários, ou infeliz ou explorados. Há uma terceira coisa
crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se
diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade.
Já surgiu uma nova linguagem.
Vocês não ouvem as gravações feitas "com
autorização da Justiça?" Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie
de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada
pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com
chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são
fungos de um grande erro sujo.


- "O que mudou nas periferias?"

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar
não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório...
Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma
empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no
"microondas"... Ha, ha... Vocês são o Estado, quebrado, dominado por
incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão.
Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra
estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados.
Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm
mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade.
Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós
somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são
odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora,
somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos
esquecem assim que passa o surto de violência.

- "Mas o que devemos fazer?"
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado,
senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de
cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército?
Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está
quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano,e o Lula ainda
aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar
contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há
perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas
brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns
Stingers aí...
Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente
acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo. Já pensou?
Ipanema radioativa?

- "Mas... Não haveria solução?"

- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a
"normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma
autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... Na boa... Na
moral.. Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e
vocês... Não têm saída. Só a merda.
E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por
quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o
divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!"
Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno