26 outubro 2006

PODER AMERICANO X BOEING 1907


I Want You!, originally uploaded by tinou bao.

David Lerer

A queda do Boeing da Gol durou dois minutos e meio. A Aeronáutica
concluiu que a asa esquerda do avião menor, o Legacy, cortou um pedaço da
asa direita do Boeing, e que este caiu na selva em espiral da altura de 37
mil pés. Dois minutos e meio. Imaginem o terror dos 154 inocentes encerrados
no gigantesco ataúde de aço em queda livre. Fico me indagando quantos
segundos sofreram a antevisão da morte certa, antes de perderem os sentidos
com a despressurização e a falta de oxigênio. Horror. Não há palavras para
descrever. Além da dor dos familiares e da impotente compaixão diante do
irremediável, cai-se agora no capitulo das responsabilidades. E aí entra o
"money, money, money" linguagem que os americanos entendem bem e gostam,
quando é a favor deles. Dessa vez é contra, e muito, e eles estão correndo
atrás do prejuízo. O avião. Um Boeing 737-800 igual ao que foi derrubado
custa de 66 a 75 milhões de dólares, dependendo do kit conforto que tiver
dentro. As vidas. Vidas não tem preço, mas de qualquer maneira 154 famílias
terão de ser indenizadas. Haverá uma batalha jurídica de proporções
monumentais. O seguro da ExcelAire, companhia americana de táxi aéreo dona
do Legacy e empregadora dos pilotos envolvidos no acidente, não cobre falha
humana. Os dois pilotos americanos tiveram seus passaportes apreendidos pela
Aeronáutica. Na prática estão detidos para averiguações, o que é
perfeitamente justo. É o mínimo, aliás. E aí estão acontecendo coisas
surpreendentes. Para os jovens que não tiveram tempo de aprender o
que nós mais velhos queríamos dizer com "imperialismo americano", temos aí
uma exposição a vivo e em cores. O triste episódio é uma aula magna sobre
como os arrogantes vizinhos do Norte nos enxergam e como se comportam em
momentos de crise, principalmente quando se trata de defender o sagrado
direito de suas empresas e cidadãos fazerem o que bem entenderem no país dos
outros e saírem ilesos. Radares da Amazônia. O jornalista do New York Times
que estava a bordo do Legacy, e que tem tanta autoridade técnica quanto eu
ou você, desqualificou o sistema de controle aéreo brasileiro em entrevista
fartamente divulgada mundo afora. No dia seguinte outra reportagem levanta
duvidas sobre o bom funcionamento do transponder (receptor-transmissor do
avião que dá o sinal para a torre de controle) do jato fabricado pela
brasileira Embraer. No terceiro dia o advogado dos pilotos afirma que os
pilotos entraram em contato sim, mas a torre não respondeu. O advogado
ex-ministro. Da maneira como eles enxergam o Brasil, um bom advogado tem de
ser um ex-ministro da Justiça, capaz de fazer amigos e influenciar pessoas,
como o dr. José Carlos Dias. O proprietário da ExcelAire, Bob Sherry,
declarou: "Se houver qualquer pessoa por lá (no Brasil) que tenha influencia
política ou qualquer outra forma (grifo meu) de trazer nosso pessoal de
volta, nós agradecemos". Para bom entendedor...
Até mesmo a secretária de Estado Condoleezza Rice está sendo mobilizada para
retirar os dois do Brasil o mais rápido possível, e com isso prejudicar as
investigações. Como disse um indignado oficial da Força Aérea Brasileira,
"se fosse um avião brasileiro atingindo um avião comercial norte-americano,
o piloto já estaria preso na Base Guantanamo, sendo tratado como
terrorista". Meu amigo Abelardo Gomes de Abreu, morador antigo e estimado de
São Sebastião, foi há dois meses representar o Brasil num campeonato de remo
nos Estados Unidos e teve de se despir no aeroporto para ser revistado dos
pés à cabeça. Ou seja, um turista brasileiro nos Estados Unidos é tratado
como suspeito. Ao passo que dois super-suspeitos americanos do maior
desastre aéreo no Brasil devem ser tratados como turistas. "Imperialismo
americano", crianças, é isso. Na dolorosa tragédia de alguns dias atrás o
único que talvez se saia bem é o Legacy produzido na vizinha São José dos
Campos. Vai vender, e como. Afinal, um aviãozinho daqueles derrubar um
Boeing e só danificar a pontinha da asa, é porque é muito bom.
David Lerer é médico e ex-deputado federal Esta mensagem foi enviada por
Luiz De Aquino.