15 dezembro 2009

RACISMO E PSICANÁLISE

O « BANZO » DO CONDE DE GOBINEAU
NO BRASIL



Paulo de QUEIRÓS SIQUEIRA (psiquiatra, psicanalista)
Tradução:Eliezer de HOLLANDA CORDEIRO


Poucos escritores franceses do Século XIX contribuiram
tanto para as teorias do racismo como o Conde Joseph Arthur
de Gobineau (1816 - 1882).A obra que tornou-o lastimosamente
célebre teve como titulo : « Ensaio sobre a desigualdade
das raças humanas » (1). Este livro teve um grande sucesso
junto aos adeptos do nazismo que fizeram do mesmo uma de
suas referências fundamentais. Quais foram as teorias do
conde de Gobineau ? Leiamos para resumir as notas sobre o
ele contidas na edição do Larousse Universel de 1922, eù
seguida Nouveau Larousse Universel de 1948, o pequeno
Larousse de 1980 e enfim Le Petit Larousse Compact de 1999.A
evolução dos termos com os quais o célebre dicionário
resumiu as teorias de Gobineau conheceu ao longo do Século
XX uma evolução subtil. Não pdemos negligenciar tais
variações porque elas são sugnificativas das mudanças
das mentalidades no que diz respeito às complacências mais
ou menos evidentes para com as
teses racistas na França.

Vejamos o que escreveu o Larousse em 1922 a propósito do
Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas. « Fundado
na idéia da raça como fator fundamental da história, ele
apresenta o ariano dolicocéfalo louro como o tipo da
humanidade superior. Com esta maneira de ver, Gobineau
favoreceu o orgulho pangermânico, seu sistema sendo,
especialmente, muito apreciado na Alemanha. Ele exerceu uma
grande influência sobre as idéias de Wagner ». A edição
do Nouveau Larousse Universel de 1948 salienta ainda a
grande influência de Gobineau sobre Wagner, concluindo : «
Os alemães interpretaram o sistema dele para tirarem
benefício».

Quase 40 ans depois, o pequeno Larousse passou em silêncio
as influências que recebeu Wagner e concluiu no final que o
Conde de Gobineau «influenciou os teóricos do racismo
germânico ».

Em 1999, contudo, o mesmo Petit Larousse mostrou-se desta
vez mais sutil a propósito do autor e de suas teorias,
escrevendo que o Ensaio sobre as desigualdades das raças
humanas « pretendia retraçar e explicar pelo processo
histórico da miscigenação, a marcha da humanidade para um
declínio inelutável ».Assim, a questão das teorias de
Gobineau sobre as « raças superiores »deixou de ser
mencionada. Outra nuança introduzida pelo Petit Larousse de
1999 em sua conclusão concernando o referido autor
consistiu em dizer que os « teóricos do racismo germânico
reivindicam as teorias do Conde mas « disfarçam as suas
teses ».

Dir-se-ia que o Petit Larousse procurasse atenuar o racismo
inerente às teorias de Gobineau, deixando supor que os
nazistas só utilizaram-nas de maneira disfarçada. Para o o
leitor que tivesse ainda necessidade de se convencer de que
as idéias de Gobineau fossem tão racistas, suas Cartas
brasileiras (2) constituem uma amostra mais do que
convincente.

Joseph Arthur de Gobineau, que era não somente escritor
mas também diplomata, ocupou o cargo de chefe de gabinete
de Alexis de Tocqueville, então Ministro das relações
exteriores da França de Napoleão III (3).Após haver
deixado este cargo afim de ocupar a função de primeiro
secretário de embaixadas em Berna, Hanovre e no Irão,
Gobineau foi enviado para o Brasil em 1869, por uma dessas
astúcias muito frequentes na história. Ele partiu a
contragosto, afim de representar a França perante um dos
povos mais mestiços do planeta.Conhecendo-se o papel
desempenhado pela mestiçagem em suas teorias, consideradas
como fator histórico tendo precipitado a humanidade num
declínio inelutável, este encontro do teórico racista com
o povo de mestiços é muito engraçado. A estadia no Brasil
foi para Gobineau uma grande provação, se considerarmos
seu estado de saúde do início até o fim de sua missão no
Rio. Esta, que durou pouco mais de um ano,
permitiu-lhe escrever numerosas cartas a sua esposa que
ficara na França. Nelas o Conde verteu sem nenhuma censura,
tudo de ruim que ele pensava da «ignominiosa canalha
brasileira. Todos mulatos, todos, todos, menos a família
imperial ! » exclamou numa de suas cartas (4).

Tendo chegado ao Brasil no fin de março de 1869, três
meses depois Gobineau já tinha um julgamento definitivo
sobre o seu povo: «O Brasil só pode tornar-se alguma coisa
se os brasileiros desaparecerem ; trata-se de uma
população inepta, viciada até a moela, pela qual não se
pode fazer nada, que se utilize a força física ou moral »
(5).

Gobineau, por que o povo brasileiro não era conforme à
idéia que ele tinha das raças superiores, procurou
refúgio ao lado do Imperador do Brasil, sua Majestade Dom
Pedro II e de sua Alteza a Imperatriz. E o escritor francês
teve muita sorte porque o Imperador era um homem realmente
excepcional! Ávido de tudo, espírito muito culto e
científico, homem de laboratório, admirador de Linné, Dom
Pedro manteve uma correspondência com Quatrefages durante
vinte anos. O Imperador brasileiro fez parte até dos
benfeitores do Instituto Pasteur de Paris.Ele era também um
grande poliglota, conhecia quatorze línguas e falava oito
ou nove de maneira fluente. Em suma, era um Monarca
esclarecido, o que deveria agradar o Conde, era um branco de
sangue azul, descendente das linhagens mais altas da
aristocracia européia. Porém muito cedo e apesar da
benevolente amizade do imperador por Gobineau (ele o recebia
duas, três vezes por semana no palácio) a saúde
do conde declinou muito depressa : « Você sabia que,
desde minha chegada, tenho sofrido, de maneira contínua, de
febre e de um abatimento insuportável ? Não se passa uma
semana sem que eu me sinta obrigado a deitar-me duas ou tres
vezes durante o dia, »escreveu a um amigo na Europa.Sua
degradação física e moral atingiu um tal ponto que o
próprio Imperador inquietou-se e aconselhou-o a voltar para
a França o mais cedo possivel. E Gobineau findou sendo
repatriado quase em situação de urgência.

Como pudeste imaginar que eu sofresse de nostalgia ou de
algo semelhante ?» perguntou o Conde a sua esposa. « Estou
realmente doente e o Rio vai me matar. Tenho outro coisa a
fazer do que deixar-me assim morrer » (6).

Devemos reconhecer que Gobineau sofreu no Rio de uma
doença semelhante, e muito frequente, que atingia os negros
brasileiros vindos da Africa para trabalhar como escravos.
Ao chegarem ao Brasil, numerosos negros reagiram às
condições desumanas da escravidão com uma melancolia
mortal denominada « banzo ».Este fenômeno alcançou
proporções epidêmicas tais e marcou tanto o espírito dos
brasileiros que a palavra « banzo », de origem africana
,faz parte doravante da língua comum para designar a
melancolia.

Naturalmente, poderiamos dizer que, por razões muito
diferentes, tanto o Conde como os negros africanos padeceram
de melancolia no Brasil, não pelas mesmas razões mas pela
mesma relação com a verdade do sujeito.

O próprio Freud colocou em « Luto e Melancolia » (7) a
questão : porque adoecer para alcançar uma… verdade ?
Que verdade teriam eles alcançado, o Conde e os escravos
africanos, para mergulharem numa melancolia, apenas chegados
ao Brasil ? Sem dúvida as causas não foram as mesmas, mas,
não poderíamos dizer que eles encontraram no Brasil a
verdade do ser-para-a- morte ? Os escravos, assim reduzidos
ao estatuto de simples objets do gozo do Outro, tornaram-se
mortos como sujeitos. Para o Conde, uma revelação poderia
ter-lhe ocorrido: O Brasil prefigurava o mundo futuro onde
não mais existiria um lugar para o Outro da raça pura, a
raça dos Mestres « arianos dolicocéfalos louros».Este
ideal do ego era feroz para os outros mas também para o
próprio Conde. A prova, a mestiçagem brasileira,
verdadeiro exemplo contrário ao sistema social que Gobineau
queria, agia já de maneira sorrateira ao desaparecimento da
ordem injusta de base racial
com a qual ele sonhava.

Gobineau deve ter percebido isto, a sua melancolia tendo
sido o resultado.Aqueles que acreditaram nesse delírio e
quiseram aplicá-lo mais tarde na Europa do Século XX, não
somente se enganaram mas arruinaram os seus países, seus
povos e semearam en toda parte onde passaram o genocídio, a
destruição e a miséria. A miscigenação universal- toda
a evolução do Século XX nos prova- conduz para um mundo
onde o Outro não existe, salvo sob as aparências do único
Mestre Absoluto, a Morte.

1) J. A. de Gobineau, Ensaio sobre as desigualdades das
raças humanas, 1853 - 1855, re-edição, Paris 1967.
2) J. A. de Gobineau,Cartas brasileiras, Éditions du
Delta, Paris, 1969.
3) Ver a propósito das relações de Gobineau com
Tocqueville, os comentários feitos por Jacques-Alain
Miller. Este salienta a ambiguidade de Alexis de Tocqueville
com relação a Arthur de Gobineau : ao mesmo tempo em que o
primeiro considerava o sistema da Desigualdade das raças
como «a tese mais injusta que se pudesse conceber nos dias
atuais » … um « sistema de manobras fraudulosas, uma
filosofia de diretor de haras », Alexis mostrava-se além
de complacente com o Conde Joseph Artur, correndo servir às
ambições de Gobineau no Ministério e na Academia.
Conforme : « Astros obscuros, hidras estreladas »

Enc: Confrontos em Copenhague





Confrontos em Copenhague

Leonardo Boff

Em Copenhague nas discussões sobre as taxas de redução dos gases produtores de mudanças climáticas, duas visões de mundo se confrontam: a da maioria dos que estão fora da Assembléia, vindo de todas as partes do mundo e a dos poucos que estão dentro dela, representando os 192 estados.

Estas visões diferentes são prenhes de conseqüências, significando, no seu termo, a garantia ou a destruição de um futuro comum.

Os que estão dentro, fundamentalmente, reafirmam o sistema atual de produção e de consumo mesmo sabendo que implica sacrificação da natureza e criação de desigualdades sociais.

Crêem que com algumas regulações e controles a máquina pode continuar produzindo crescimento material e ganhos como ocorria antes da crise.

Mas importa denunciar que exatamente este sistema se constitui no principal causador do aquecimento global emitindo 40 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes.

Tanto o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos estados e das empresas.

Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB positivo.

Ocorre que estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie humana.

Não passa pela cabeça dos representantes dos povos que a alternativa é a troca de modo de produção que implica uma relação de sinergia com a natureza.

Reduzir apenas as emissões de carbono mas mantendo a mesma vontade de pilhagem dos recursos é como se colocássemos um pé no pescoço de alguém e lhe dissésemos: quero sua liberdade mas à condição de continuar com o meu pé em seu pescoço.

Precisamos impugnar a filosofia subjacente a esta cosmovisão.

Ela desconhece os limites da Terra, afirma que o ser humano é essencialmente egoista e que por isso não pode ser mudado e que pode dispor da natureza como quiser, que a competição é natural e que pela seleção natural os fracos são engolidos pelos mais fortes e que o mercado é o regulador de toda a vida econômica e social.

Em contraposição reafirmamos que o ser humano é essencialmente cooperativo porque é um ser social. Mas faz-se egoísta quando rompe com sua própria essência.

Dando centralidade ao egoísmo, como o faz o sistema do capital, torna impossível uma sociedade de rosto humano. Um fato recente o mostra: em 50 anos os pobres receberam de ajuda dois trilhões de dólares enquanto os bancos em um ano receberam 18 trilhões.

Não é a competição que constitui a dinâmica central do universo e da vida mas a cooperação de todos com todos. Depois que se descobriram os genes, as bactérias e os vírus, como principais fatores da evolução, não se pode mais sustentar a seleção natural como se fazia antes.

Esta serviu de base para o darwinismo social. O mercado entregue à sua lógica interna, opõe todos contra todos e assim dilacera o tecido social. Postulamos uma sociedade com mercado mas não de mercado.

A outra visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos.

Essa cooperação não é uma virtude qualquer. É aquela que outrora nos permitiu deixar para trás o mundo animal e inaugurar o mundo humano.

Somos essencialmente seres cooperativos e solidários sem o que nos entredevoramos. Por isso a economia deve dar lugar à ecologia. Ou fazemos esta virada ou Gaia poderá continuar sem nós.

A forma mais imediata de nos salvar é voltar à ética do cuidado, buscando o trabalho sem exploração, a produção sem contaminação, a competência sem arrogância e a solidariedade a partir dos mais fracos.

Este é o grande salto que se impõe neste momento. A partir dele Terra e Humanidade podem entrar num acordo que salvará a ambos.

*Leonardo Boff é teólogo



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