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29 dezembro 2009
Venha participar de Não quero fingir que não vi!
Avatar (Crítica) : Breno Ribeiro
Depois de não uma, mas duas impressões do filme, Avatar, de James Cameron, dispensa qualquer parágrafo introdutório.
Avatar
Por Breno Ribeiro
Há 12 anos atrás, era lançado o longa Titanic, dirigido e escrito pelo diretor James Cameron. Assim como seus filmes anteriores, Exterminador do Futuro original e a sequência, True Lies e a continuação de Alien, o romance a bordo do transatlântico foi um grande avanço no que diz respeito à tecnologia de efeitos visuais da sétima arte. Uma réplica em menor escala foi criada, por exemplo, para cenas que filmavam o navio por inteiro ou que se passavam em algumas partes específicas no exterior do mesmo. Outras réplicas foram feitas para as cenas do naufrágio onde, ao fim, foram adicionadas digitalmente água, fumaça e as pessoas que morriam durante a tragédia. Entretanto, mesmo diante da magnitude de seu último filme, Cameron conseguiu, em termos de efeitos visuais, superar a si mesmo na megaprodução Avatar.
Seguindo a linha sci-fi que marcou os primeiros trabalhos do diretor, o longa acompanha a história de Jake Sully (Sam Worthington), ex-fuzileiro naval que se tornou paraplégico durante uma guerra na Terra. Porém, depois da morte do irmão gêmeo, Jake é o único que tem um DNA compatível para controlar a réplica artificial – conhecida como Avatar – da raça extraterrestre Na’vi e, assim, se infiltrar no pitoresco planeta Pandora a fim de coletar as informações necessárias para os humanos. Entretanto, diante do novo mundo a sua frente e da cultura e costumes dos Na’vi, Jake se vê entre ajudar os humanos ou lutar ao lado dos extraterrestres para proteger Pandora.
Foram construídas para o filme réplicas quase perfeitas dos bustos dos atores principais com características Na’vi (como orelhas pontudas e crânios maiores). Além disso, uma nova tecnologia foi utilizada para capturar as expressões de face e dos olhos dos atores: uma versão melhorada do efeito que criou, por exemplo, a criatura Gollum na trilogia O Senhor dos Anéis, o qual consistia em vários pontos ligados ao corpo do ator que seriam usados para criar o movimento da criatura. Com a técnica aprimorada de Cameron, que envolve ainda uma espécie de capacete com uma microcâmera na frente focando o rosto de quem o utiliza, os movimentos e expressões do elenco são capturados quase 100% e transportados para os personagens azuis. Desta forma, diferentemente do que acontecia com a criatura da Terra Média, em Pandora, os atores que ‘encenam’ os Na’vi podem ser prontamente reconhecidos, o que ajuda na identificação com os mesmos.
Para encarnar a raça azul de Pandora, cada personagem precisa se deitar em uma espécie de câmara e fechar os olhos, como se fosse dormir. É, portanto, interessante notar que ao fecharem os olhos, tais personagens são transportados para um mundo completamente novo que só poderia existir em sonhos. Pandora é talvez o melhor universo já criado para o cinema. Com uma fauna hostil – e de uma complexidade física que deve ter tirado noites de sono da equipe de efeitos – e uma flora de encher os olhos – das mais simples sementes flutuantes às duas árvores principais de Pandora, o planeta possui os mais belos tons já postos junto, como o roxo vibrante dos céus e o azul quase fluorescente de algumas plantas. O ambiente é tão encantador e belo que nem ao menos chegamos a questionar o personagem de Sam Worthington quando o mesmo pára durante uma expedição para brincar com flores que murcham em espiral quando tocadas ou quando ele se distrai em uma conversa com plantas cujas folhas ficam fluorescentes quando apertadas.
Não só a equipe de efeitos visuais está de parabéns, mas também aquela responsável pela criação da cultura Na’vi. Embora muito tenha sido mostrado ao longo do filme sobre a raça de três metros, ao final dos rápidos 161 minutos de projeção ainda há uma sensação de que poderíamos aprender muito mais com aquela maravilhosa espécie se tivéssemos tempo. Além disso, a língua Na’vi, embora soe estranhíssima, é usada ao longo da trilha sonora de James Horner (que também compôs Titanic e Aliens) em curtos corais. As composições de Horner são, ainda, perfeitas para cada momento do longa, dos afetos e amor entre Jake e Neytiri (Zoe Saldana) às cenas da épica guerra final. Por outro lado, a música-tema do projeto, “I See you”, distoa do filme em sua totalidade por focar em um dos aspectos secundários da trama.
Mesmo com as limitações que o uso da tecnologia de Cameron traz, Sam Worthington, Zoe Saldana e Sigourney Weaver conseguem dar a seus personagens a profundidade e emoção desejada em cada cena, tendo Zoe Saldana conseguido emocionar mesmo como Na’vi nativa. Contudo, o destaque fica por conta de Stephen Lang e seu raso vilão, Quaritch, que possui as falas mais divertidas do longa (“Não está acabado enquanto eu estiver respirando.”)
Diferente do trabalho anterior de Cameron como roteirista, o atual projeto do diretor não se baseia exclusivamente em um romance sem sal. Há romance, sim; porém ele é agora natural e apenas um dos fios condutores da trama. O que move a trama é a ambição dos humanos em relação às riquezas de Pandora, o que de certa forma remete a prática colonialista comum de séculos/anos atrás. Ainda, embora não comentado expositivamente ao longa da história, há referências claras à destruição natural causada pela chegada do homem (algo emblematizado pela cena da Árvore-casa, “Hometree” no original) que podem ser inferidas a partir de certas falas, como “Eles mataram a Mãe deles. Agora vão matar a de vocês.” Todavia, o roteiro e o desenvolvimento do mesmo contém falhas difíceis de ignorar e que soam, de certa forma, maniqueístas – sendo um bom exemplo o fato de uma certa arma ser usada contra um certo helicóptero (se é que se pode chamar assim) e não surtir efeito e, cenas depois, em uma situação contrária, a mesma arma funcionar contra um veículo voador do mesmo tipo do outro.
É, porém, altamente aconselhável que o filme seja assistido, se possível, em algum cinema em 3D. A tecnologia, que vem sendo altamente utilizada atualmente, atinge com o diretor James Cameron um novo significado. Nada de objetos sendo lançados em direção à câmera para lembrar o espectador de que ele está assistindo a um filme 3D. O que se vê aqui são efeitos em terceira dimensão singelos e que surgem naturalmente – o 3D é criado em função da narrativa e não o contrário. De pequenos mosquitos voando, sementes flutuantes e cinzas a curtas cenas de perseguição na floresta, o 3D é tudo menos evasivo.
Inovação é a palavra de ordem em Avatar. Inovando desde os efeitos especiais até a nova tecnologia 3D, o longa prossegue lançando o espectador cada vez mais para dentro do universo particular concebido na mente do diretor, sem com isso perder o fio da meada da trama. Diz-se que talvez haverá sequências para o filme. Depois de ver a pequena porção de Pandora que vi, não posso negar o gostinho de querer conhecer mais daquele maravilhoso planeta. Em todo caso, eu Vejo vocês lá.
28 dezembro 2009
Venha participar de Não quero fingir que não vi!
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22 dezembro 2009
Enc: O velho e o novo
--- De: Paulo Roberto |
16 dezembro 2009
15 dezembro 2009
RACISMO E PSICANÁLISE
NO BRASIL
Tradução:Eliezer de HOLLANDA CORDEIRO
Poucos escritores franceses do Século XIX contribuiram
tanto para as teorias do racismo como o Conde Joseph Arthur
de Gobineau (1816 - 1882).A obra que tornou-o lastimosamente
célebre teve como titulo : « Ensaio sobre a desigualdade
das raças humanas » (1). Este livro teve um grande sucesso
junto aos adeptos do nazismo que fizeram do mesmo uma de
suas referências fundamentais. Quais foram as teorias do
conde de Gobineau ? Leiamos para resumir as notas sobre o
ele contidas na edição do Larousse Universel de 1922, eù
seguida Nouveau Larousse Universel de 1948, o pequeno
Larousse de 1980 e enfim Le Petit Larousse Compact de 1999.A
evolução dos termos com os quais o célebre dicionário
resumiu as teorias de Gobineau conheceu ao longo do Século
XX uma evolução subtil. Não pdemos negligenciar tais
variações porque elas são sugnificativas das mudanças
das mentalidades no que diz respeito às complacências mais
ou menos evidentes para com as
teses racistas na França.
Vejamos o que escreveu o Larousse em 1922 a propósito do
Ensaio sobre as desigualdades das raças humanas. « Fundado
na idéia da raça como fator fundamental da história, ele
apresenta o ariano dolicocéfalo louro como o tipo da
humanidade superior. Com esta maneira de ver, Gobineau
favoreceu o orgulho pangermânico, seu sistema sendo,
especialmente, muito apreciado na Alemanha. Ele exerceu uma
grande influência sobre as idéias de Wagner ». A edição
do Nouveau Larousse Universel de 1948 salienta ainda a
grande influência de Gobineau sobre Wagner, concluindo : «
Os alemães interpretaram o sistema dele para tirarem
benefício».
Quase 40 ans depois, o pequeno Larousse passou em silêncio
as influências que recebeu Wagner e concluiu no final que o
Conde de Gobineau «influenciou os teóricos do racismo
germânico ».
Em 1999, contudo, o mesmo Petit Larousse mostrou-se desta
vez mais sutil a propósito do autor e de suas teorias,
escrevendo que o Ensaio sobre as desigualdades das raças
humanas « pretendia retraçar e explicar pelo processo
histórico da miscigenação, a marcha da humanidade para um
declínio inelutável ».Assim, a questão das teorias de
Gobineau sobre as « raças superiores »deixou de ser
mencionada. Outra nuança introduzida pelo Petit Larousse de
1999 em sua conclusão concernando o referido autor
consistiu em dizer que os « teóricos do racismo germânico
reivindicam as teorias do Conde mas « disfarçam as suas
teses ».
Dir-se-ia que o Petit Larousse procurasse atenuar o racismo
inerente às teorias de Gobineau, deixando supor que os
nazistas só utilizaram-nas de maneira disfarçada. Para o o
leitor que tivesse ainda necessidade de se convencer de que
as idéias de Gobineau fossem tão racistas, suas Cartas
brasileiras (2) constituem uma amostra mais do que
convincente.
Joseph Arthur de Gobineau, que era não somente escritor
mas também diplomata, ocupou o cargo de chefe de gabinete
de Alexis de Tocqueville, então Ministro das relações
exteriores da França de Napoleão III (3).Após haver
deixado este cargo afim de ocupar a função de primeiro
secretário de embaixadas em Berna, Hanovre e no Irão,
Gobineau foi enviado para o Brasil em 1869, por uma dessas
astúcias muito frequentes na história. Ele partiu a
contragosto, afim de representar a França perante um dos
povos mais mestiços do planeta.Conhecendo-se o papel
desempenhado pela mestiçagem em suas teorias, consideradas
como fator histórico tendo precipitado a humanidade num
declínio inelutável, este encontro do teórico racista com
o povo de mestiços é muito engraçado. A estadia no Brasil
foi para Gobineau uma grande provação, se considerarmos
seu estado de saúde do início até o fim de sua missão no
Rio. Esta, que durou pouco mais de um ano,
permitiu-lhe escrever numerosas cartas a sua esposa que
ficara na França. Nelas o Conde verteu sem nenhuma censura,
tudo de ruim que ele pensava da «ignominiosa canalha
brasileira. Todos mulatos, todos, todos, menos a família
imperial ! » exclamou numa de suas cartas (4).
Tendo chegado ao Brasil no fin de março de 1869, três
meses depois Gobineau já tinha um julgamento definitivo
sobre o seu povo: «O Brasil só pode tornar-se alguma coisa
se os brasileiros desaparecerem ; trata-se de uma
população inepta, viciada até a moela, pela qual não se
pode fazer nada, que se utilize a força física ou moral »
(5).
Gobineau, por que o povo brasileiro não era conforme à
idéia que ele tinha das raças superiores, procurou
refúgio ao lado do Imperador do Brasil, sua Majestade Dom
Pedro II e de sua Alteza a Imperatriz. E o escritor francês
teve muita sorte porque o Imperador era um homem realmente
excepcional! Ávido de tudo, espírito muito culto e
científico, homem de laboratório, admirador de Linné, Dom
Pedro manteve uma correspondência com Quatrefages durante
vinte anos. O Imperador brasileiro fez parte até dos
benfeitores do Instituto Pasteur de Paris.Ele era também um
grande poliglota, conhecia quatorze línguas e falava oito
ou nove de maneira fluente. Em suma, era um Monarca
esclarecido, o que deveria agradar o Conde, era um branco de
sangue azul, descendente das linhagens mais altas da
aristocracia européia. Porém muito cedo e apesar da
benevolente amizade do imperador por Gobineau (ele o recebia
duas, três vezes por semana no palácio) a saúde
do conde declinou muito depressa : « Você sabia que,
desde minha chegada, tenho sofrido, de maneira contínua, de
febre e de um abatimento insuportável ? Não se passa uma
semana sem que eu me sinta obrigado a deitar-me duas ou tres
vezes durante o dia, »escreveu a um amigo na Europa.Sua
degradação física e moral atingiu um tal ponto que o
próprio Imperador inquietou-se e aconselhou-o a voltar para
a França o mais cedo possivel. E Gobineau findou sendo
repatriado quase em situação de urgência.
Como pudeste imaginar que eu sofresse de nostalgia ou de
algo semelhante ?» perguntou o Conde a sua esposa. « Estou
realmente doente e o Rio vai me matar. Tenho outro coisa a
fazer do que deixar-me assim morrer » (6).
Devemos reconhecer que Gobineau sofreu no Rio de uma
doença semelhante, e muito frequente, que atingia os negros
brasileiros vindos da Africa para trabalhar como escravos.
Ao chegarem ao Brasil, numerosos negros reagiram às
condições desumanas da escravidão com uma melancolia
mortal denominada « banzo ».Este fenômeno alcançou
proporções epidêmicas tais e marcou tanto o espírito dos
brasileiros que a palavra « banzo », de origem africana
,faz parte doravante da língua comum para designar a
melancolia.
Naturalmente, poderiamos dizer que, por razões muito
diferentes, tanto o Conde como os negros africanos padeceram
de melancolia no Brasil, não pelas mesmas razões mas pela
mesma relação com a verdade do sujeito.
O próprio Freud colocou em « Luto e Melancolia » (7) a
questão : porque adoecer para alcançar uma… verdade ?
Que verdade teriam eles alcançado, o Conde e os escravos
africanos, para mergulharem numa melancolia, apenas chegados
ao Brasil ? Sem dúvida as causas não foram as mesmas, mas,
não poderíamos dizer que eles encontraram no Brasil a
verdade do ser-para-a- morte ? Os escravos, assim reduzidos
ao estatuto de simples objets do gozo do Outro, tornaram-se
mortos como sujeitos. Para o Conde, uma revelação poderia
ter-lhe ocorrido: O Brasil prefigurava o mundo futuro onde
não mais existiria um lugar para o Outro da raça pura, a
raça dos Mestres « arianos dolicocéfalos louros».Este
ideal do ego era feroz para os outros mas também para o
próprio Conde. A prova, a mestiçagem brasileira,
verdadeiro exemplo contrário ao sistema social que Gobineau
queria, agia já de maneira sorrateira ao desaparecimento da
ordem injusta de base racial
com a qual ele sonhava.
Gobineau deve ter percebido isto, a sua melancolia tendo
sido o resultado.Aqueles que acreditaram nesse delírio e
quiseram aplicá-lo mais tarde na Europa do Século XX, não
somente se enganaram mas arruinaram os seus países, seus
povos e semearam en toda parte onde passaram o genocídio, a
destruição e a miséria. A miscigenação universal- toda
a evolução do Século XX nos prova- conduz para um mundo
onde o Outro não existe, salvo sob as aparências do único
Mestre Absoluto, a Morte.
1) J. A. de Gobineau, Ensaio sobre as desigualdades das
raças humanas, 1853 - 1855, re-edição, Paris 1967.
2) J. A. de Gobineau,Cartas brasileiras, Éditions du
Delta, Paris, 1969.
3) Ver a propósito das relações de Gobineau com
Tocqueville, os comentários feitos por Jacques-Alain
Miller. Este salienta a ambiguidade de Alexis de Tocqueville
com relação a Arthur de Gobineau : ao mesmo tempo em que o
primeiro considerava o sistema da Desigualdade das raças
como «a tese mais injusta que se pudesse conceber nos dias
atuais » … um « sistema de manobras fraudulosas, uma
filosofia de diretor de haras », Alexis mostrava-se além
de complacente com o Conde Joseph Artur, correndo servir às
ambições de Gobineau no Ministério e na Academia.
Conforme : « Astros obscuros, hidras estreladas »
Enc: Confrontos em Copenhague
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30 novembro 2009
Folha de S.Paulo - Análise Os filhos do Brasil - 27-11-2009
Folha de S.Paulo - Análise: Os filhos do Brasil - 27/11/2009 Caros amigos: Acho que importa ler o depoimento abaixo. Além do que acrescenta à documentação relativa aos porões da ditadura, é muito revelador do caráter e da biografia não autorizada do presidente Luís Inácio da Silva.
[Photo][Photo]
São Paulo, sexta-feira, 27 de novembro de 2009 [Photo] [Photo]
ANÁLISE
Os filhos do Brasil Divulgação
[Photo] Cena do filme "Lula, o Filho do Brasil", do diretor Fábio Barreto, que narra a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
CÉSAR BENJAMIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.
Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".
Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.
Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.
Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.
Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.
Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.
Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.
Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.
Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.
Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.
Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.
Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora. [Photo][Photo]
São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.
Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.
Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.
Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta".
Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.
Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.
O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu. [Photo][Photo]
Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.
Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.
Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.
A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.
O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.
Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.
CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.
28 novembro 2009
12 novembro 2009
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25 setembro 2009
Guilherme Arantes
O Show de Guilherme Arantes ontem no Teatro do Parque em Recife foi carregado de emoção e de algumas críticas feitas pelo músico. O show foi dividido em 2 apresentações, e aqui vale uma dica: se tiver de ir a alguma apresentação em que o artista tenha que fazer duas, uma seguida da outra, deixe para ir na última. Por vários motivos: 1º o som já vai estar melhor testado e qualquer eventual problema que ocorra, como retorno, equalização, entre outras coisas, serão sanados ou na hora ou para a próxima apresentação; 2º o artista vai estar mais a vontade, mais relaxado, e isso pode fazer com que melhore a sua performance; 3º o show seguinte tem hora pra começar, então o artista tem hora pra acabar, logo, o tradicional bis e a interação com o público ficam prejudicados. Foi o que aconteceu ontem, quem deixou pra ir na segunda apresentação viu um show completamente diferente. Guilherme estava mais a vontade, os problemas técnicos que o tirou do sério na primeira apresentação, deixaram de existir e com isso pode desfilar seus hits com toda desenvoltura e segurança, deixando algumas pausas para um bate-papo com o público. Aproveitou para fazer uma crítica ao cenário atual da música brasileira, em especial a bahiana. Atualmente o músico reside na Bahia, montou uma gravadora e pretende lançar nomes no mercado na intenção promover pessoas que possam elevar a qualidade musical de nosso país como fez no passado Aloysio de Oliveira com a gravadora Elenco, nos áureos tempos da bossa-nova. Confira abaixo uma de suas péloras. |
Veja quais são os assuntos do momento no Yahoo! + Buscados: Top 10 - Celebridades - Música - Esportes
05 setembro 2009
Enc: Para salvar o planeta, livrem-se do capitalismo (livro de Hervé Kempf)
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